. O Cantor
da "Salve Rainha"
Aos 24 de setembro de 1054 o Servo de Deus Padre Hermanus
Wolverad, Beneditino com 41 anos de idade, entregou sua alma cândida às mãos de
seu Criador, no velho convento de "Reichenau", ilha no Bodensee.
No dia 15 de agosto do ano 1954, fazia novecentos anos que na
Abadia dos Beneditinos, na ilha Reichenau foi festejado com muita pompa o dia
da Assunção de Nossa Senhora. Para esta solenidade vieram muitos sacerdotes,
príncipes e muito povo da vizinhança, especialmente da cidade de Constanz.
Todos queriam ouvir um novo hino à Nossa Senhora que ainda não foi ouvido nas terras
alemãs.A basílica ecoava aos sons do órgão majestoso. Os fiéis piedosamente
ajoelhavam-se, esperando a entrada dos Monges. Na frente do altar Mór,
festivamente ornamentado, colocaram-se os frades. Um Monge, pequeno e magro
abalado pela doença e deformação, na frente de todos, levantou os braços
magros, bradou na igreja,dizendo:"Levantai-vos
queridos irmãos. Aquela, que nós vamos saudar, é a Rainha da terra e dos céus! Mostrai
a vossa reverência a Ela de pé, erguidos e acompanhai o hino que um pobre servo
fez em louvor e agradecimento à Nossa Senhora! “ E como um arauto, o
pequeno monge cantou em alta voz a sua canção de amor, que o mundo ouviu e
continua cantar até hoje, o magnífico Hino “Salve Rainha".
Com ele cantaram os monges e irmãos, e o povo em profundo
silêncio, absorveu a canção; e todos levaram-na naquele dia de sol pelos campos
floridos afora através da ilha odorante de Reichenau ,a todos os recantos do lago e vizinhanças do Reno. Assim ecoava a
bela e significativa oração das colinas de Hegaus, dos planaltos de
Randolfzelle dos muros da cidade de Constanz:
Salve
Rainha, mãe de misericórdia. Nossa vida, nossa doçura, nossa esperança, salve.
A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Esses vossos olhos
misericordiosos a nós volver e depois deste desterro nos mostrai a Jesus,
bendito fruto do vosso ventre.
A esta oração tão bela, edificante e eficaz, o devotissimo
São Bernardo de Clairveau, quando foi visitar a Igreja, Catedral de Speyer onde
ouviu a bela canção juntou e exclamou no fim."Oh! Clemente, oh! Piedosa!
oh! Doce sempre Virgem Maria".
Depois que o devoto da Virgem Maria, o monge Hermanus cantou
à sua Rainha o seu canto de amor filial, deitou-se na cama doente. Parecia que
tinha terminado a sua ópera de vida com esta oração mariana. Sorrindo feliz,
rezava esta oração como uma oração contínua à Excelsa Rainha e lembrou-se do dia
feliz em que a sua mãezinha moribunda lho tinha abençoado e dedicado ao serviço
da Santíssima Virgem Maria, a Rainha do céu e da terra. Lembrou-se, pois, das
últimas palavras da mãezinha: "Meu
filho Hermanus, se tu não tiveres nenhum consolo mais,lembra-te,de que és filhinho bem amado
duma Rainha. Eu sei, que tu não te esquecerás disso, mesmo quando eu não
existir mais. Hermanus, uma rainha, é muito poderosa. Leve-a sempre em teu
coração, assim não serás pobre!"
Quem disse estas palavras estava perto da morte. O seu
filhinho, Hermanus, olhou-a e de repente, sabia que o sol sobre a sua vida
estava a eclipsar. O seu corpo raquítico e seus ombros curvados estremeceram,
porém ele ficou forte, esforçou-se para dar um sorriso que traspassou a alma da
mãe doente. O menino corajoso perguntou à mãezinha: “Uma rainha minha mãe? Ela é mais poderosa que vós? Papai é conde e vós
sois senhora condessa; quem é mais do que meus pais?”
A mãe juntou as mãos sobre o peito doente, olhou com os olhos
febricitantes o seu filhinho, dizendo:"Meu
filhinho,acima de nós está Deus.Não penso no poder civil.Este, os homens o
tomam e o perdem de novo. Quando tu estavas bem pequenino nós tememos te
perder, então levei-te à capela do
nosso castelo, diante do Altar da Santíssima Virgem Maria. A Ela te entreguei
na vida e na morte.Tu conheces Nossa boa Senhora de Althausen? Ela leva na
cabeça a Coroa.Uma vez que esta Santíssima Virgem e Rainha te preservou da morte,
tu és o filhinho dela. Eu te entrego a Ela.
Ela é uma Rainha tão clemente.” Dos belos
olhos, pelas faces deformadas do menino, deslizaram lágrimas. Devagar
ajoelhou-se e disse: "Então eu devo
servi-lhe, não é, mãezinha? Eu sei que Rainhas pedem muito. Se Ela me quer,então
já não conheço outro amor no céu e na terra, senão o d'Ela.” E a condessa colocou
a sua mão sobre a cabeça inclinada do seu filhinho bem amado. E poucas horas
depois, a boa mãezinha fechou os seus olhos para sempre.
Mais tarde, o conde "Wolverad de Althausen da
Suábia", levou o seu filho deformado ao convento de Reichenau. O filho
seguiu a um chamado do alto. O superior do convento tomou sobre si o cuidado
deste enviado por Deus, enquanto o conde experimentava com dor pungente perder,
com este filho, silencioso e recolhido; a felicidade da sua vida. Esposa e
filho, em holocausto lhe tinha pedido o seu Deus, o próprio Deus. Agora ficaria
solitário em Althausen.
Hermanus, ainda jovenzinho, despediu-se do seu pai. A porta
fechou-se atrás do seu pai querido. Um vago arrependimento queria apoderar-se do
jovem. Lá fora florescia o mundo, a natureza era um jardim de flores
multicores. Lá viviam homens, amor e felicidade, fortuna e benevolência, e aqui
dentro do convento reinava silêncio, frieza e sombras mesmo no claro dia. Quem
entrou neste recinto deixou tudo lá fora. Como São Bernardo diz na sua regra:
"Quem entrar no convento deve deixar lá fora o seu corpo, porque aqui só
entram almas".
Hermanus previu grades, sacrifícios e abnegação. Ele sorriu amargamente.
Felicidade e amor eram para os fortes, os de boa saúde. A vida mesma tinha-o
expulsado como um passarinho do ninho.
Nunca experimentara os gozos que outros bebem nos copos cheios de alegria.
Diante do seu Superior exprimiu o seu desejo de ser admitido na ordem de São
Bento. E o abade perguntou lhe: "O
que é que te conduz para nós, meu filho?" E Hermanus pensava nas
flores, nos muros do Convento, nas casas dos agricultores com os jardins cheios
de flores multicores e disse com voz firme:"Eu quero servir a minha Rainha e só a Ela!"
Após anos quando o velho conde, outra vez montou no seu
cavalo e chegou ao Convento de Reichenau, encontrou o seu filho como sacerdote
do Altíssimo no altar do Convento. Pequeno, feio, corcundo, celebrava a santa
Missa. Ao "Glória" ecoou tanto sua voz em harmonioso júbilo pelo
recinto sagrado que o velho conde Wolverad de Althausen se perguntou a si
mesmo: de onde tem este deformado monge, meu filho, a força de cantar tão
harmoniosamente? E no almoço deu-lhe o Abade a resposta: “Ele é um cantor de amor. Do seu grande amor, crescem todas as suas
óperas de música e poesia. Nós somos
felizes de ter vosso filho conosco". O pai respondeu-lhe: “Oh! Se ao menos fosse de boa saúde!”
Porém o abade retorquiu. "Então, quem
sabe,o mundo o teria tornado ao seu serviço. Assim porém doente como é,
conservou o seu amor Àquele, que é digno de seu serviço".
Hermanus, o aleijado como os Reichenauenses o chamaram,
recebeu o seu pai na cela: "Aqui,
meu filho, tu tens um pequeno condado" disse, sorrindo da pobreza da
cela. E o pequeno monge lhe respondeu:"Ela é muito boa assim para mim".Mostrou
em seguida ao pai os livros que ele tinha escrito com tanta paciência; leu alguns
versos da ópera terminada:"de octo
vitus principalibus" (dos oito principais vícios),e lhe disse que ainda
queria escrever uma história mundial, desde
o nascimento de Cristo. O pai conheceu então que Hermanus, apesar de viver
longe do mundo, conhecia-o a fundo como jamais um outro do seu tempo. O conde
como seus Superiores reconheceram que neste pobre corpo florescia uma alma
cândida como num jardim de maio e o que dela brotava era perfume e beleza; parecia
que a real Senhora levava à mão este aleijado monge e guiava-o ao paraíso das
mais puras alegrias!
E quando os seus confrades cantaram aos 24 de setembro de
1054, diante da cela dele, o belo hino "Salve Rainha”,a alma pura de
Hermanus livrou-se do pobre corpo, saindo do vale de lágrimas ao paraíso
celeste, continuando a cantar: “Mostrai-me a Jesus, o fruto bendito do
vosso ventre. Amém! “
Frei Pascoal Becker ofm.
Tradução livre do "Feuerreiter", 29 de maio de
1954. (de Maria Rutishauser)
Publicado no Jornal do Comércio em 18 de fevereiro de 1973. –
Recife-PE
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