quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O Cantor da "Salve Rainha"



                                    . O Cantor da "Salve Rainha"
Aos 24 de setembro de 1054 o Servo de Deus Padre Hermanus Wolverad, Beneditino com 41 anos de idade, entregou sua alma cândida às mãos de seu Criador, no velho convento de "Reichenau", ilha no Bodensee.
No dia 15 de agosto do ano 1954, fazia novecentos anos que na Abadia dos Beneditinos, na ilha Reichenau foi festejado com muita pompa o dia da Assunção de Nossa Senhora. Para esta solenidade vieram muitos sacerdotes, príncipes e muito povo da vizinhança, especialmente da cidade de Constanz. Todos queriam ouvir um novo hino à Nossa Senhora que ainda não foi ouvido nas terras alemãs.A basílica ecoava aos sons do órgão majestoso. Os fiéis piedosamente ajoelhavam-se, esperando a entrada dos Monges. Na frente do altar Mór, festivamente ornamentado, colocaram-se os frades. Um Monge, pequeno e magro abalado pela doença e deformação, na frente de todos, levantou os braços magros, bradou na igreja,dizendo:"Levantai-vos queridos irmãos. Aquela, que nós vamos saudar, é a Rainha da terra e dos céus! Mostrai a vossa reverência a Ela de pé, erguidos e acompanhai o hino que um pobre servo fez em louvor e agradecimento à Nossa Senhora! “ E como um arauto, o pequeno monge cantou em alta voz a sua canção de amor, que o mundo ouviu e continua cantar até hoje, o magnífico Hino “Salve Rainha".
Com ele cantaram os monges e irmãos, e o povo em profundo silêncio, absorveu a canção; e todos levaram-na naquele dia de sol pelos campos floridos afora através da ilha odorante de Reichenau ,a todos os recantos do  lago e vizinhanças do Reno. Assim ecoava a bela e significativa oração das colinas de Hegaus, dos planaltos de Randolfzelle dos muros da cidade de Constanz:
 Salve Rainha, mãe de misericórdia. Nossa vida, nossa doçura, nossa esperança, salve. A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Esses vossos olhos misericordiosos a nós volver e depois deste desterro nos mostrai a Jesus, bendito fruto do vosso ventre.
A esta oração tão bela, edificante e eficaz, o devotissimo São Bernardo de Clairveau, quando foi visitar a Igreja, Catedral de Speyer onde ouviu a bela canção juntou e exclamou no fim."Oh! Clemente, oh! Piedosa! oh! Doce sempre Virgem Maria".
Depois que o devoto da Virgem Maria, o monge Hermanus cantou à sua Rainha o seu canto de amor filial, deitou-se na cama doente. Parecia que tinha terminado a sua ópera de vida com esta oração mariana. Sorrindo feliz, rezava esta oração como uma oração contínua à Excelsa Rainha e lembrou-se do dia feliz em que a sua mãezinha moribunda lho tinha abençoado e dedicado ao serviço da Santíssima Virgem Maria, a Rainha do céu e da terra. Lembrou-se, pois, das últimas palavras da mãezinha: "Meu filho Hermanus, se tu não tiveres nenhum  consolo mais,lembra-te,de que és filhinho bem amado duma Rainha. Eu sei, que tu não te esquecerás disso, mesmo quando eu não existir mais. Hermanus, uma rainha, é muito poderosa. Leve-a sempre em teu coração, assim não serás pobre!"
Quem disse estas palavras estava perto da morte. O seu filhinho, Hermanus, olhou-a e de repente, sabia que o sol sobre a sua vida estava a eclipsar. O seu corpo raquítico e seus ombros curvados estremeceram, porém ele ficou forte, esforçou-se para dar um sorriso que traspassou a alma da mãe doente. O menino corajoso perguntou à mãezinha: “Uma rainha minha mãe? Ela é mais poderosa que vós? Papai é conde e vós sois senhora condessa; quem é mais do que meus pais?”
A mãe juntou as mãos sobre o peito doente, olhou com os olhos febricitantes o seu filhinho, dizendo:"Meu filhinho,acima de nós está Deus.Não penso no poder civil.Este, os homens o tomam e o perdem de novo. Quando tu estavas bem pequenino nós tememos te perder, então levei-te à capela do nosso castelo, diante do Altar da Santíssima Virgem Maria. A Ela te entreguei na vida e na morte.Tu conheces Nossa boa Senhora de Althausen? Ela leva na cabeça a Coroa.Uma vez que esta Santíssima Virgem e Rainha te preservou da morte, tu és o  filhinho dela. Eu te entrego a Ela. Ela é uma Rainha tão clemente.”  Dos belos olhos, pelas faces deformadas do menino, deslizaram lágrimas. Devagar ajoelhou-se e disse: "Então eu devo servi-lhe, não é, mãezinha? Eu sei que Rainhas pedem muito. Se Ela me quer,então já não conheço outro amor no céu e na terra, senão o d'Ela.” E a condessa colocou a sua mão sobre a cabeça inclinada do seu filhinho bem amado. E poucas horas depois, a boa mãezinha fechou os seus olhos para sempre.
Mais tarde, o conde "Wolverad de Althausen da Suábia", levou o seu filho deformado ao convento de Reichenau. O filho seguiu a um chamado do alto. O superior do convento tomou sobre si o cuidado deste enviado por Deus, enquanto o conde experimentava com dor pungente perder, com este filho, silencioso e recolhido; a felicidade da sua vida. Esposa e filho, em holocausto lhe tinha pedido o seu Deus, o próprio Deus. Agora ficaria solitário em Althausen.
Hermanus, ainda jovenzinho, despediu-se do seu pai. A porta fechou-se atrás do seu pai querido. Um vago arrependimento queria apoderar-se do jovem. Lá fora florescia o mundo, a natureza era um jardim de flores multicores. Lá viviam homens, amor e felicidade, fortuna e benevolência, e aqui dentro do convento reinava silêncio, frieza e sombras mesmo no claro dia. Quem entrou neste recinto deixou tudo lá fora. Como São Bernardo diz na sua regra: "Quem entrar no convento deve deixar lá fora o seu corpo, porque aqui só entram almas".
Hermanus previu grades, sacrifícios e abnegação. Ele sorriu amargamente. Felicidade e amor eram para os fortes, os de boa saúde. A vida mesma tinha-o expulsado como um  passarinho do ninho. Nunca experimentara os gozos que outros bebem nos copos cheios de alegria. Diante do seu Superior exprimiu o seu desejo de ser admitido na ordem de São Bento. E o abade perguntou lhe: "O que é que te conduz para nós, meu filho?" E Hermanus pensava nas flores, nos muros do Convento, nas casas dos agricultores com os jardins cheios de flores multicores e disse com voz firme:"Eu quero servir a minha Rainha e só a Ela!"
Após anos quando o velho conde, outra vez montou no seu cavalo e chegou ao Convento de Reichenau, encontrou o seu filho como sacerdote do Altíssimo no altar do Convento. Pequeno, feio, corcundo, celebrava a santa Missa. Ao "Glória" ecoou tanto sua voz em harmonioso júbilo pelo recinto sagrado que o velho conde Wolverad de Althausen se perguntou a si mesmo: de onde tem este deformado monge, meu filho, a força de cantar tão harmoniosamente? E no almoço deu-lhe o Abade a resposta: “Ele é um cantor de amor. Do seu grande amor, crescem todas as suas óperas de música e poesia. Nós somos felizes de ter vosso filho conosco". O pai respondeu-lhe: “Oh! Se ao menos fosse de boa saúde!” Porém o abade retorquiu. "Então, quem sabe,o mundo o teria tornado ao seu serviço. Assim porém doente como é, conservou o seu amor Àquele, que é digno de seu serviço".
Hermanus, o aleijado como os Reichenauenses o chamaram, recebeu o seu pai na cela: "Aqui, meu filho, tu tens um pequeno condado" disse, sorrindo da pobreza da cela. E o pequeno  monge lhe respondeu:"Ela é muito boa assim para mim".Mostrou em seguida ao pai os livros que ele tinha escrito com tanta paciência; leu alguns versos da ópera terminada:"de octo vitus principalibus" (dos oito principais vícios),e lhe disse que ainda queria escrever  uma história mundial, desde o nascimento de Cristo. O pai conheceu então que Hermanus, apesar de viver longe do mundo, conhecia-o a fundo como jamais um outro do seu tempo. O conde como seus Superiores reconheceram que neste pobre corpo florescia uma alma cândida como num jardim de maio e o que dela brotava era perfume e beleza; parecia que a real Senhora levava à mão este aleijado monge e guiava-o ao paraíso das mais puras alegrias!
E quando os seus confrades cantaram aos 24 de setembro de 1054, diante da cela dele, o belo hino "Salve Rainha”,a alma pura de Hermanus livrou-se do pobre corpo, saindo do vale de lágrimas ao paraíso celeste, continuando a cantar: “Mostrai-me a Jesus, o fruto bendito do vosso ventre. Amém! “

Frei Pascoal Becker ofm.
Tradução livre do "Feuerreiter", 29 de maio de 1954. (de Maria Rutishauser)
Publicado no Jornal do Comércio em 18 de fevereiro de 1973. – Recife-PE




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